Dia 11 de Abril de 2013

Abril 12, 2013 § Deixe um comentário

Era um barzinho confortável, desorganizado da melhor forma. Fechado com as portas destrancadas, qualquer um poderia entrar pra se fechar ali dentro. Cheirava a gente e movimento, tudo era vivo naquele lugar. Até as poucas cadeiras de madeira pareciam um atrativo pra gente por perto. A banda e os instrumentos já estavam ali, num canto. Os instrumentos em silêncio enquanto a gente toda conversava, fumava, discutia: uma evangélica defendia a sua alienação com argumentos camuflados em um vocabulário que incrivelmente não era assim tão ruim, mas automático. Havia espaço e calor. Conversei com uma música que estava por ali, tinha o sorriso mais simpático que eu já vi e aquilo me comoveu. Geralmente são as coisas mais pequenas nas pessoas mais simples que me fazem continuar tendo curiosidade e interesse nessa gente nova e cheia de particularidade. Não me venha com ideias monstruosas, não me venha com pretensões extensas, me venha apenas com um sorriso sincero e uma promessa de interesse mútuo e eu estarei entregue: num sorriso tão bonito ela me contou seus demônios passados. As pessoas ali pareciam todas cobertas dessa simplicidade exuberante, naquele momento, dentro daquele lugar, éramos todos um só, os que chegaram tarde e os que trabalhavam ali há anos, nos identificávamos pelo mero interesse comum em estar ali.

A primeira banda se ajeitou pra tocar. Alguns voltaram de seus jantares rápidos e improvisados, um aquecimento para o que viria a seguir, outros largaram uma conversa no ar. Os ouvidos atentos de todos procuravam um sinal, eles subiram no palco. Os instrumentos eram os únicos que falavam, em todo o canto, nem mesmo a poeira se mexia, receosa. A troca de papéis. Era um transe comunitário. Todos sentiam o mesmo fascínio manifestado individualmente no refutar dos sopros: uma flauta transversal, dois saxofones, um oboé, uma flauta doce, uma shinai, uma hulusi e um clarinete. Em cima do palco uma festa de improviso, os músicos ou seus instrumentos independentes conversavam entre si e nós captamos o que não é transigível. Os instrumentos ora gritavam, ora sussurram. Uma transferência só. De várias sensações, a eterna expectativa.

Finda apresentação, todos, incluindo os músicos mergulham numa atmosfera ainda pulsante. Sem reação ou com reação demais para uma manifestação prática, sopramos para dentro. O músico do sax e das flautas exóticas nos faz um breve parecer sobre as palhetas e dados culturais. Tudo muito bom, e os instrumentos voltam para os queises, e nós nos voltamos para os nossos cigarros, bebidinhas e comentários. A próxima banda se prepara e nós, do lado de cá, nos preparamos também.

Dessa vez são dois saxes, uma bateria e um violoncelo. Violoncelo que por muitas vezes reza o místico e volta com a maior das agressividades. É algo tão intenso quanto uma ferida e eu imagino que qualquer um capaz de apreciar aquilo é também muito capaz de apreciar a dor em tudo o que ela tem de mais belo e em tudo o que ela tem de mais pungente e sublime. Não há muito mais a se dizer aqui, o que houve naquele espaço é definitivamente o tipo de coisa que não se diz, que não nos dá esse espaço e que eu me atrevo. Como era conveniente a partir daí as improvisações giraram em torno de um jazz ou talvez não, a improvisação nos dá essa chave do indecifrável pra uma porta sem nome. Voltei para casa à pé. O mundo de ideias em mente. O contato com gente, eu me sentia bem. Um homem corria na praça em plena madrugada, só me perguntei por que ele estava usando um boné, talvez gostasse, só isso, nenhuma função prática.

Fiquei pensando na intensidade. Senti falta de alguém onde eu quase me sufoquei, mas eu ainda estou respirando e satisfeita. Depois de amanhã quem sabe… são diferentes formas de transe que me transportam de diferentes lugares para uma mesma aspiração.

 

Retirado do meu diário.

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